quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A HISTÓRIA NÃO CONTADA DA REFORMA PROTESTANTE!

A parte da história da igreja que não foi devidamente contada.
Os Anabatistas
e as raízes do Evangelho
Rodrigo Abarca

Ao longo de toda a Idade Média, numerosos grupos de crentes deixaram o cristianismo organizado dos seus dias, para experimentar uma fé mais viva, singela e real, conforme o padrão de fé e prática que encontravam na Bíblia. Foram perseguidos e martirizados aos milhares por causa do seu testemunho e, em algumas regiões, quase exterminados. 

No entanto, não foram destruídos totalmente e permaneceram ocultos, espalhados aqui e ali por toda a Europa, até o advento da Reforma. Então saíram novamente para a luz, animados pela chama que um remoto monge agustino tinha aceso ao cravar as suas 95 teses na porta da catedral de Wittenberg, por volta do ano 1517.

Estava nascendo a Reforma, e aquele desconhecido monge não podia suspeitar ainda que a pequena chama recém acesa, logo se converteria em uma fogueira que faria arder a Europa inteira, e transtornaria para sempre a história do cristianismo e ainda da própria civilização ocidental.

Martin Lutero acendeu a chama, mas muitos outros tinham trabalhado antes preparando a fogueira. Por isso, quando escutou o seu grito de batalha «só a fé e só a Escritura», os olhos de muitos se elevaram esperançados em torno da promessa do novo dia que parecia despontar no horizonte, entre as ruínas da decadente cristandade do seu tempo. 

No entanto, o dia chegou carregado de enormes contrastes, com uma tormenta de luzes e sombras, nuvens escuras e reluzentes raios de sol.

Os Reformadores protestantes procuraram retornar para a Bíblia como única norma de fé e conduta. Não obstante, aos olhos de muitos cristãos daqueles dias, a restauração que propiciaram não foi suficientemente radical e ficou, por assim dizer, a meio caminho. 

Estes «outros» irmãos procuraram uma restauração muito mais fundamental, que retornasse à mesma essência da igreja, tais como a encontravam nas páginas do Novo Testamento. 

Os seus inimigos os chamaram anabatistas, palavra grega que significa «rebatizadores», devido a sua rejeição do batismo infantil e sua forte ênfase na conversão individual, confirmada pelo batismo voluntário como sinal exterior. Mas eles, a si mesmos, simplesmente se chamavam «irmãos».

O início
Os historiadores datam usualmente a origem dos anabatistas em 1525, na cidade Suíça de Zurique. Ali o reformador Ulrico Zwinglio estava começando a reforma protestante em estreita aliança com os magistrados da cidade. Entre os seus mais precoces seguidores estavam dois brilhantes eruditos, que pertenciam a algumas das famílias mais abastadas da cidade: Conrad Grebel e Félix Manz. 

Este último era amigo próximo do reformador suíço. No entanto, muito em breve começaram a discordar de alguns dos seus ensinos, especialmente com relação à natureza da igreja e a salvação.

Zwinglio ensinou, no princípio, que a restauração da fé devia ser um retorno completo às Escrituras, e que tudo aquilo que não estivesse explicitamente contido nelas devia ser descartado. Manz e Grebel aderiram calorosamente a este princípio.

Não obstante, pouco depois, Zwinglio mudou de opinião, e desenvolveu o que deveria ser a postura protestante clássica, sustentada também por Lutero, e mais adiante por Calvino: Tudo aquilo que se encontra explicitamente proibido nas Escrituras deve ser descartado, enquanto que o resto pode ser mantido, enquanto não transgrida os seus ensinos. 

A magnitude desta divergência era enorme, pois permitia que muitos reformadores contemporizassem em diversos assuntos de prática eclesiástica com os príncipes e magistrados do seu tempo, a fim de garantir o seu respaldo à causa protestante. 

Na verdade, todos eles estavam, em maior ou menor grau, convencidos de que a reforma protestante não podia ter êxito sem o apoio político e militar dos príncipes.
Assim, Zwinglio tentou criar uma igreja nacional «a Suíça», que incluísse a todos os «cidadãos suíços» nela, sem importar se eram ou não verdadeiramente cristãos. 

Por esta e outras razões, continuou aceitando o batismo infantil, pois, logicamente, em seu conceito de igreja não cabiam a necessidade de conversão e regeneração individual.

Contra este estado de coisas reagiram Manz, Grebel e todos os outros anabatistas. Para eles, o princípio era inaceitável, pois violava o claro ensino da Escritura sobre a igreja como uma nação composta unicamente de homens e mulheres redimidos, visivelmente separados do mundo, e submetida somente à autoridade de Cristo a sua cabeça. 

Para nós hoje, esta verdade pode parecer óbvia, mas, por muitas razões não era assim para a maioria dos líderes protestantes.

Causas da divergência anabatista
Durante a longa noite medieval, a identidade entre igreja e cristandade, considerada esta última como a soma das nações cristãs, considerou-se um dogma incontrovertível da fé. 

Este modo de ver as coisas se originou com a conversão do imperador romano Constantino em 312 D. C., e em sua posterior confirmação do cristianismo como religião oficial do império. 

Logo veio outro imperador, Justiniano, que em seu famoso código declarou a religião exclusiva, e autorizou o uso da força e da espada contra os dissidentes, fossem «cismáticos» ou «hereges». Deste modo, cristianismo e império se fizeram quase sinônimos. O império protegia à igreja e a igreja legitimava o império. Podemos dizer, igreja e estado estavam unidos.

Desta paradoxal simbiose surgiu a cristandade medieval, depois da queda do império romano do ocidente. Esta queda produziu um imenso vazio de poder e organização dentro das zonas geográficas abrangidas pela desaparecida administração imperial e os povos que estavam sob o seu domínio. 

Mas, a igreja cristã organizada foi enchendo esse espaço, devido, em grande parte, de que nela tenha sobrevivido muito da organização e eficiência administrativa do império que muitos recordavam com nostalgia.

Não obstante, com o advento da Reforma, a situação política mudou, pois muitos dos príncipes e reis europeus estavam cansados de submeter-se ao que consideravam um domínio despótico e abusivo. 

No entanto, compreendiam que para obter a sua independência deveriam contar com o apoio do povo e para isso tinha que oferecer aos seus súditos uma religião que substituiria a oficial e os libertasse do controle que esta exercia sobre as suas consciências.

Mas deveria ser uma religião para «todos» os seus súditos, por assim dizer, nacional. Portanto, o seu apoio à Reforma esteve sempre condicionado por esta perspectiva e necessidade. Que não nos interprete mal. 

Sem dúvida, alguns deles foram crentes sinceros e piedosos, mas, indevidamente o seu horizonte político-cultural condicionou e limitou a sua visão da igreja, assim como a visão dos reformadores aos que prestaram o seu apoio político e militar.

Contra esta nova forma -união da igreja e do estado- os anabatistas reagiram, reconhecendo com clareza o engano da perspectiva de quem a sustentava e procurando lançar a luz da Palavra sobre este transcendental assunto por meios pacíficos.

Neste ponto se encontra a origem da tragédia anabatista. Comenta Ismael Amaya: «Sem dúvida que seria difícil encontrar na história da igreja um acontecimento mais triste que o caso dos anabatistas. Parecia que os anabatistas estavam contra todos, e todos contra eles. 

Posto que rejeitavam os ensinos tanto de Lutero como de Zwinglio, e também do catolicismo, foram vítimas de cruéis perseguições da parte de todos eles. Mas a sua rejeição da união entre a igreja e o estado, e do próprio estado, fez que as autoridades seculares os considerassem como insurretos. Segundo o conceito prevalecente daquela época, a separação entre a igreja e o estado era impossível. 

Ao afirmar esta doutrina, os anabatistas escolheram o sangrento caminho dos mártires, e seu martírio constitui em um monumento impressionante da Reforma.

Sacrificaram-se por um princípio que era inaceitável para a sociedade e a igreja do seu tempo. Como se opunham ao catolicismo, ao luteranismo, e ao zwinglianismo, a igreja os considerava hereges, e como rejeitavam o estado, este os tratava como rebeldes. 

Em conseqüência, foram vistos como inimigos pelos príncipes, pelos reformadores protestantes, e pelos líderes católicos, que os perseguiu sem piedade».

Muito em breve, esta discrepância levou, tanto a Grebel como a Manz, a distanciar-se de Zwinglio. Em 21 de janeiro de 1525, ambos foram batizados junto com alguns seguidores radicais de Zwinglio. Pois, depois de muito estudo e cuidadosa oração, tinham chegado à convicção de que deviam batizar-se uns aos outros. 

Este acontecimento marcou o começo do movimento anabatista. Para eles o batismo (que praticavam por rociamento ou «aspersão») era a única forma de testemunhar o verdadeiro arrependimento e a conversão pessoal. Em conseqüência, dentro de pouco tempo começaram a pregar e batizar crentes por toda a Suíça.

Zwinglio e os magistrados da cidade reagiram decretando severas leis contra quem se «rebatizava» (pois todos, a juízo deles, já tinham sido batizados quando meninos), incluindo a pena de morte por afogamento; castigo que se converteu na forma de martírio mais comum entre os anabatistas e para o qual chamaram, de o «terceiro batismo». 

E, além disso, convocaram às autoridades de toda a Europa para «caçá-los e a prendê-los». Grebel fugiu junto com outros irmãos, e morreu de peste em 1526, depois de pregar o evangelho em outras cidades da Suíça. Félix Manz foi preso por Zwinglio e as autoridades de Zurich, amarrados e lançados nas frias águas do rio Limmat, que corre pelo centro da cidade.

A perseguição contra os anabatistas se prorrompeu com uma crueldade inusitada por toda a Europa, tanto nos países católicos como protestantes. Milhares de homens e mulheres foram afogados, enterrados vivos, e queimados.

Constituíram-se corporações especiais de polícia para buscá-los, chamados Täuferjäger (caçadores de anabatistas). Os filhos dos mártires eram arrancados das suas famílias e entregues às famílias de grupos eclesiásticos oficialmente reconhecidos. Em todas as partes a perseguição dos anabatistas se converteu em uma política de estado.

Ensinos e práticas
Devido à precoce morte dos seus líderes mais destacados, os anabatistas nunca chegaram a escrever uma exposição detalhada e sistemática dos seus ensinos. Na verdade, tampouco desejavam criar um sistema de doutrina acabado e excludente. E, além disso, nunca chegaram a constituir um movimento organizado. 

Por este motivo, costumam reunir sob o rótulo de anabatistas grupos com interesses e crenças muito distintas e inclusive opostas.

Em geral, são reconhecidos três grandes ramos: «os anabatistas propriamente ditos», «os espirituais», e «os racionalistas anti-trinitarios» – embora, os seus perseguidores não os distinguiam e consideravam a todos como uma só coisa.

Dentre eles, os que nos interessa neste artigo são os primeiros. Estes adotaram com simplicidade as doutrinas cristãs históricas tais como a Trindade e as duas naturezas de Cristo (completamente divino e completamente humano), sem nenhum interesse especulativo ulterior. 

Da mesma forma que Zwinglio, Lutero e Calvino, criam na salvação somente pela graça, por meio da fé e sem obras meritórias, a autoridade final das Escrituras e o sacerdócio de todos os crentes. Mas divergiam deles quanto a sua prática e aplicação.

Com respeito à salvação, a par da justificação pela fé, enfatizavam a regeneração interior e uma vida posterior de verdadeira transformação como evidência dela. Do mesmo modo, davam especial ênfase à responsabilidade pessoal e à conversão individual. 

Não aceitavam o batismo de meninos, ao que considerava ineficaz, pois, diziam, somente aqueles que se converteram de maneira responsável e consciente podem receber o batismo como sinal dessa conversão. 

E também, praticavam de modo real o sacerdócio de todos os crentes, pois as suas reuniões eram abertas à participação de todos os irmãos e irmãs, enquanto que os seus pastores e pregadores surgiam dentre os próprios irmãos, muitas vezes, sem nenhuma preparação formal. Além disso, praticavam uma intensa vida de comunhão entre si, partindo o pão e orando juntos pelas casas.

Na verdade, desejavam formar igrejas de crentes segundo o modelo do Novo Testamento, em oposição às «igrejas estatais», onde era impossível distinguir entre crentes falsos e verdadeiros.

Por outro lado, rejeitavam as perseguições por motivos religiosos e as guerras associadas a elas. Foram convencidos pacificadores em uma era onde o ódio e a intolerância parecia ser a norma. Deve-se, pelo mesmo motivo, rejeitar a conhecida tese de que as crueldades da cristandade do seu tempo se explicam pelo «espírito da época». 

Os irmãos deixaram muito claros, para qualquer que queria escutá-los, que o verdadeiro espírito do evangelho é muito distinto. E é necessário afirmar que tanto Lutero, como Zwinglio, Calvino e outros líderes da Reforma conheciam muito bem os seus ensinos. No entanto, pelo que parece não lhes afetaram muito.

Baltasar Hubmaier
Grande parte dos principais ensinos dos irmãos foram desenvolvidos e expostos, depois da morte de Grebel e Manz, por Baltasar Hubmaier, que se converteu em uns dos líderes mais importantes e influentes na história dos irmãos. Hubmaier tinha sido um erudito católico influente e reconhecido em toda a Europa. 

A sua conversão ao protestantismo foi considerada como um grande triunfo para a causa reformada. Era amigo de Erasmo e coincidia com os pacíficos e amáveis ideais cristãos do famoso humanista. Com respeito aos «caçadores de hereges», tanto católicos como protestantes, escreveu: 

«Os inquisidores são piores que todos os hereges, porque, contrariando a doutrina e o exemplo de Jesus, condenam os hereges à fogueira... Porque Cristo não veio para mutilar, matar, ou queimar, mas sim para que as pessoas vivam com abundância».

Depois da sua conversão, em 1522, foi obrigado a deixar o seu cargo de vice-reitor da universidade católica de Regensburg, Alemanha. Dali se mudou para Waldshut, perto de Zurich, na Suíça, para se encarregar de uma recém nascida congregação protestante. 

Não se sabe bem como entrou em contato com as idéias anabatistas, mas é provável que fosse através dos irmãos associados com Grebel e Manz. Em 1525, começou a pregar em oposição ao batismo infantil e pouco depois levou cerca de 300 pessoas da congregação em Waldshut a batizar-se, em um domingo de Páscoa.

A partir dali, começou uma discussão violenta com Zwinglio, defendendo a causa anabatista. Mas quando a polícia do imperador apareceu em Waldshut, viu-se obrigado a fugir para Zurich, onde foi detido rapidamente por Zwinglio e seu grupo. Depois de um tempo na prisão, debateu publicamente com Zwinglio em um precário estado de saúde e foi esmagado facilmente por seu robusto oponente. 

Logo depois, por último o mandou torturar para conseguir a sua retratação. Hubmaier cedeu sob a tortura, assinou a retratação requerida, e foi posto em liberdade. No entanto, imediatamente se arrependeu com amargura de sua fraqueza e temor. Fugiu para a Morávia, onde continuou a sua obra.

Ali se converteram e foram batizadas mais de 6.000 pessoas como fruto do seu ministério.
Finalmente, em 1527, os Täufer-jäger do imperador o capturaram e o levou preso para Viena para ser julgado e executado. Foi queimado publicamente na praça do mercado, e enquanto as chamas envolviam o seu corpo, o escutaram repetir várias vezes, «Jesus; Jesus!», antes que o fogo silenciasse para sempre a sua voz neste mundo

Três dias depois, a sua valente esposa foi jogada de uma ponte nas escuras águas do rio Danúbio, com uma pesada pedra atada ao pescoço.

Hubmaier, da mesma forma que todos os anabatistas, foi acusado de rejeitar toda forma de governo e ainda a própria existência do estado. No entanto, ele negava esta acusação, afirmando que era necessário obedecer aos príncipes e governadores enquanto isso não exija desobedecer a Palavra de Deus. O que na verdade rejeitava é a união da igreja e o estado, ao mesmo tempo que defendia a liberdade de consciência.

Johanes Denck
Outro líder importante durante os primeiros dias dos irmãos foi Johanes Denck, que em Basel tinha entrado em contato com Erasmo e criado uma amizade com o grupo de destacados eruditos que se reuniam em torno dele. Em seguida foi professor em uma das escolas mais importantes de Nüremberg, cidade onde o jovem luterano Ossiander levava adiante a Reforma.

Denck se desiludiu profundamente dela, ao observar que muitos dos que se diziam nominalmente «justificados pela fé» não mostravam nenhuma mudança real em suas vidas, e muito menos uma conduta santa. Para ele, isto não era senão o sinal de uma séria carência no evangelho que estava sendo pregado. 

Ossiander o denunciou aos magistrados da cidade e estes o ameaçaram a abandoná-lo, sem lhe permitir uma defesa pública de sua fé, alegando que era muito hábil e ardiloso na apresentação dos seus «enganos». Denck se despediu de sua família e partiu para uma vida de desterro errante até o fim dos seus dias.

Onde quer que fosse, foi seguido pela calúnia e pela difamação. Os seus inimigos lhe atribuíam toda classe de doutrinas perversas e diziam para evitá-lo como a um homem extremamente perigoso. Apesar de toda aquela violenta difamação, muitas vezes escrita, Denck jamais pagou na mesma moeda em seus escritos. Não se percebe neles nenhum sinal de amargura ou rancor para quem o caluniava.

Mesmo em um tempo de especial pressão contra ele, escreveu a respeito deles: «Aflige-me o coração o estar em desunião com muitos dos quais, de outra maneira, não posso considerar senão como meus irmãos, porque adoram ao mesmo Deus que eu adoro, e honram ao Pai que eu honro. 

Por conseguinte, se Deus o quiser e até onde seja possível, não farei de meu irmão um adversário, tampouco do meu Pai um juiz, mas, enquanto estou no caminho, estarei reconciliado com todos os meus adversários».

Esta admirável declaração expressa muito bem a atitude com a qual milhares de irmãos enfrentaram a perseguição e inclusive o martírio durante aqueles dias, deixando detrás de si um perdurável testemunho do verdadeiro espírito do Senhor Jesus Cristo e seu evangelho.

Denck cumpriu até o fim com este propósito. De Nüremberg passou a Augsburgo, onde conheceu a Hubmaier e foi batizado, ligando-se assim com os irmãos anabatistas. Depois de um tempo de ministério ali, a obra cresceu rapidamente, mas teve que fugir novamente e procurar refúgio em Estraburgo, onde existia uma importante assembléia de irmãos batizados. 

Nessa cidade os líderes do partido protestante eram Capito e Bucer. O primeiro simpatizava com os irmãos e tinha esperanças de chegar a um entendimento com eles. No entanto, Bucer receava a sua influência e solicitou aos magistrados que expulsassem a Denck.

Obrigado pela situação, partiu para Worms, onde se deu à tarefa de traduzir e imprimir os Profetas Maiores e Menores. Voltou novamente para Augsburgo para uma conferência de irmãos vindos de vários distritos. 

Ali se opôs decididamente a aqueles que se inclinavam ao uso da força contra quem os perseguia. A chamou, «a conferência dos mártires», devido ao grande número de participantes que mais tarde selaram a sua vida com o martírio.

Finalmente, em 1527, depois de ir de uma parte para outra, açoitado e rejeitado, e após passar por muitas aflições e necessidades, Denck chegou a Basel com a sua saúde debilitada. Ali voltou a encontrar-se com os velhos amigos da sua juventude. 

O compassivo reformador Ecolampadio o encontrou quase moribundo e o acolheu em sua casa, onde pouco tempo depois morreu, finalmente em descanso e em paz.

Pouco antes de morrer, escreveu: «Deus sabe que não procuro outro fruto, exceto o que realmente muitos, com um coração e uma alma, glorifiquem ao Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, sejam ou não circuncidados e batizados. Porque penso de um modo muito distinto daqueles que unem o Reino de Deus excessivamente a cerimônias e elementos deste mundo, quaisquer que eles sejam». 

Naqueles dias de escassa tolerância, afirmou: «Em assuntos de fé, todos deveriam ser livres para atuar voluntariamente e por própria convicção».

Michael Sattler
Outro irmão destacado entre os anabatistas foi Michael Sattler. A sua trágica carreira acabou em 1527, depois da conferência dos irmãos em Baden, onde ajudou a redigir os sete pontos em comum da prática anabatista. 

Não se tratava de um credo ou confissão de fé vinculante, pois os irmãos criam que a igreja está unida somente em Cristo:

* Só deveriam ser batizados aqueles que experimentaram a obra regeneradora de Cristo.

* A expressão local da igreja é uma companhia de pessoas regeneradas, cuja vida diária é vivida de acordo com a fé que professam. A sua devoção está simbolizada em sua participação conjunta na ceia do Senhor, por meio da qual relembram a obra redentora de Cristo.

* A disciplina deve ser exercitada dentro das igrejas, e a disciplina final é a excomunhão.

* O povo de Deus deveria viver uma vida de separação do pecado, do mundo, e da submissão à carne, ou algo que pudesse comprometer a sua fé. Isto inclui uma separação dos ritos das facções romana, luterana e zuingliana.

* Os ofícios de uma igreja local devem ser apartados pela igreja e é sua responsabilidade a edificação dos crentes por meio do ensino da Palavra de Deus.

* Os crentes não deveriam recorrer à força, seja em defesa própria ou em uma guerra ordenada pelo estado.

* Os crentes não deveriam prestar nenhum juramento, nem tampouco recorrer à lei.

Parece incrível que estas idéias fossem consideradas como heréticas entre os protestantes e despertassem uma cruel e amarga perseguição. 

Em 1527 Sattler foi detido em Rotenberg e sentenciado a sofrer uma morte 'exemplar' por seus captores católicos: "Michael Sattler será entregue ao verdugo, o qual lhe cortará na praça primeiro a língua, logo o atará ao poste dos hereges e ali com umas tenazes em brasa viva lhe rasgará o corpo duas vezes, fazendo o mesmo indo até o lugar da execução durante cinco vezes. 

No lugar designado, queimaram o seu corpo até reduzi-lo a cinzas, por ser um archiherege". A sentença foi cumprida fielmente, enquanto que a sua esposa foi afogada junto com outros irmãos.

A Tragédia de Münster
Possivelmente o episódio que mais contribuiu para desprestigiar a causa anabatista foi a chamada "tragédia de Münster". Como foi mencionado antes, durante o século XVI diferentes grupos de pessoas foram chamadas anabatistas. No meio deles existiam alguns líderes exaltados, que propunham métodos violentos de ação, completamente opostos aos ensinos pacíficos dos irmãos, e que, além disso, anunciavam o estabelecimento iminente e material do reino de Deus na terra.

A difícil condição em que viviam as pessoas mais pobres e a grande quantidade de abusos cometidos pelos capitalistas e os príncipes contra eles atraíram a muitas destas pessoas simples e crédulas para aqueles profetas exaltados. 

Por outro lado, alguns irmãos, que tinham sofrido enormemente nas mãos dos seus captores e perseguidores, foram arrastados atrás das suas promessas de justiça e reivindicação. Assim foi preparado o cenário para a tragédia de Münster.

Em 1537, dois destes pregadores exaltados, Jan Mattys e John de Leyden, chegaram até a cidade de Münster, proclamando que a Nova Jerusalém seria estabelecida naquele lugar. Ali já existia uma congregação protestante que estava sob a condução de Bernard Rothmann, um pastor amável e pacífico, que, no entanto, caiu rapidamente debaixo da influência dos novos profetas. 

Além disso, também tinha chegado a Münster, muitos refugiados, pois o príncipe governante, Felipe, tinha-a declarado uma cidade de refúgio. E entre eles haviam verdadeiros crentes e outros tantos descontentes e fanáticos.

Em meio a essa multidão heterogênea, ambos os pregadores exerceram a sua influência, exaltando os ânimos contra os magistrados da cidade, a quem logo depuseram para colocar outros completamente controlados por Matthys. Dali em diante dedicaram-se a decretar leis extremas sob a influência de algumas supostas 'inspirações proféticas'. 

Assim, ordenou-se limpar a cidade de incrédulos e batizar a todos os seus habitantes pela força. Enquanto isso, o bispo de Münster tinha sitiado a cidade com as suas tropas.
Então, Matthys, crendo ser guiado por uma 'revelação' atacou subitamente as tropas do bispo e foi morto.

Leyden foi o seu sucessor, que reforçou o controle e o extremismo, obrigando a todos a viver em comunhão de bens e instituindo a poligamia. Tomou como esposa a viúva de Matthys e, com a qual se fez coroar como rei e rainha da cidade. 

No entanto, e finalmente, as tropas do bispo romperam a dura resistência dos defensores e penetraram na cidade assassinando a todos os seus oponentes. Leyden foi torturado e executado no mesmo lugar onde havia se coroado rei.

Na verdade, os exaltados de Münster tinham muito pouco a ver com os pacíficos irmãos representados por Hubmeyer, Manz, Grebel, Denck, Sattler e outros. Não obstante, os acontecimentos que protagonizaram contribuíram para criar, entre as pessoas do seu tempo, uma imagem negativa dos irmãos anabatistas, pois criam que todos faziam parte do mesmo movimento. 

Isto deu motivo para que os seus perseguidores aproveitassem o episódio, justificando ainda mais a repressão dos irmãos e aumentando a 'propaganda' contra eles.

Crescimento e perseguições
Os irmãos se espalharam rapidamente pela Europa, sempre perseguidos e obrigados a fugir de um lado para outro. Através de toda a Áustria foram levantadas inúmeras congregações, como também na Alemanha, Holanda e Moravia. 

Em Tirol e Gorz, centenas de irmãos foram queimados na fogueira, decapitados ou afogados. Em Salzburgo, onde uma congregação completa de setenta pessoas, foi condenada a morte, uma jovem crente provocou um grande sentimento de compaixão entre a multidão reunida para presenciar a execução, devido a sua juventude e beleza. 

Todos pediram aos gritos que fosse perdoada, no entanto não foi feito exceção. Os executores a colocaram debaixo do peso de um imenso bebedouro para cavalos até que morreu. Em seguida retiraram o seu corpo e o jogaram nas chamas. Assim selou o seu heróico testemunho por Cristo.

Mas, ela foi só uma a mais entre os milhares de mártires anabatistas. Enquanto isso, muitos irmãos encontraram refúgio na Moravia, onde fundaram várias comunidades que mantinham um regime de comunhão de bens, forma de vida que foi adotada devido, em parte, a grande quantidade de viúvas e órfãos que deveriam cuidar por causa do seu elevado número de mártires; mas também, porque desejavam sinceramente seguir o exemplo da igreja em Jerusalém, registrado no livro dos Atos.

Menno Simon
Como conseqüência, o episódio de Münster exacerbou por toda parte a perseguição contra os irmãos. Muitas congregações foram acusadas, sem prova alguma, de estar em cumplicidade com os líderes de Münster, e foram perseguidas com maior violência e crueldade ainda. 

A tal ponto que, na Alemanha, Holanda e outros lugares, o movimento quase foi extinto. Então surgiu a figura de Menno Simon, que ajudou às minguadas e espalhadas congregações a reorganizarem-se e a enfrentarem a adversidade.

Menno, que viajou incansavelmente, animando e fortalecendo os irmãos por toda parte, tinha sido previamente um sacerdote católico. 

Depois de um tempo estudando as Escrituras, assistiu ao heróico martírio de um crente anabatista chamado Sicke Snyder, que foi decapitado por negar o batismo de crianças. Ficou tão comovido com a sua integridade e fé, que decidiu unir-se à causa anabatista.

Desde esse momento trabalhou infatigavelmente entre os irmãos. E combateu ardentemente contra a errônea identificação dos irmãos com a "seita de Münster" Em sua autobiografia nos diz que, "Logo irrompeu a seita de Münster, com a que muitos corações piedosos, também entre nós, foram enganados. 

A minha alma estava em uma grande inquietação, porque notava que eram zelosos, mas doutrinalmente errados. Com o meu pequeno dom, através da pregação e o ensino, opus-me ao engano, tanto quanto pude...".

E depois, em outro escrito, "Ninguém pode de verdade me acusar de concordar com o ensino de Münster; pelo contrário, durante dezessete anos, até o dia presente, tenho me oposto e lutado contra, privada e publicamente, com a voz ou a caneta. 

Nunca reconheceremos como irmãos e irmãs a aqueles que, como o povo de Münster, rejeitam a cruz de Cristo, desprezam a palavra de Deus e praticam as paixões terrestres".

Trabalhou estabelecendo e confortando as igrejas na Holanda com tanto êxito que, em 1543 o Imperador o declarou fora da lei e pôs um preço à sua cabeça. Obrigado, deixou o país, e deu um jeito de escapar dos seus captores durante os próximos vinte e cinco anos sem ser preso, ensinando e ajudando às igrejas. 

Finalmente se estabeleceu em Fresenburg, onde continuou trabalhando e escrevendo em defesa das crenças anabatistas até que alguns dos seus escritos chegaram às mãos das autoridades de vários países. Isto ajudou a aliviar um pouco a perseguição e a aversão contra os irmãos, e conseguiu um certo grau de liberdade de culto.

Menno Simon morreu de morte natural em 1559. Não obstante, devido a sua grande influencia entre os irmãos anabatistas, as congregações nas que trabalhou começaram a chamar-se, posteriormente, 'menonitas', algo com o que, provavelmente, ele mesmo não tivesse estado de acordo.

Legado
O valente testemunho dos irmãos anabatistas deixou uma herança sem possibilidade de ser avaliada para os crentes que vieram depois. A eles se devem a recuperação da verdade da igreja como constituída por assembléias formadas exclusivamente por crentes regenerados, separadas do mundo e independentes do estado, participativas e abertas à comunhão com todos os que são de Cristo, na simplicidade do ensino do evangelho. 

Regaram a semente da liberdade cristã com o sangue dos seus mártires. Nos séculos posteriores outros crentes tomariam a bandeira da causa anabatista e a levariam mais adiante, nas assim chamadas igrejas 'não conformistas' e 'independentes'.

Além disso, o seu determinado pacifismo se levantou em meio da intolerância e fanatismo do seu tempo, como um imperecível testemunho de qual pode e deve ser sempre o verdadeiro espírito do evangelho, quaisquer que sejam os tempos, as épocas e as circunstâncias.

Por último, ao enfatizar a necessidade de uma vida de santificação prática e real, ajudaram a equilibrar os excessos do ensino da "justificação pela fé" entre os protestantes, que em muitos casos tendia a fazer desta o único elemento da salvação, esquecendo a regeneração e os frutos de santificação como parte de uma vida verdadeiramente salva.

É difícil não ver na amarga e cruel perseguição que tingiu de sangue a sua história, o ódio e a hostilidade do príncipe deste mundo, que está determinado a estorvar o testemunho de Cristo nesta terra; mas também, a persistente fidelidade de Deus, que sempre reservou um testemunho fiel e conduziu o seu povo mesmo que através das noites mais longas e escuras. 

Como está escrito: "Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida".

Nenhum comentário:

Postar um comentário